sexta-feira, 27 de maio de 2011

Uma estória tradicional africana

Era uma vez um escorpião que queria atravessar um rio. A corrente, porém, parecia-lhe muito forte, as águas demasiado profundas e ele, desgraçadamente, não sabia nadar. Então, quando já desesperava, viu uma rã a tomar sol e perguntou-lhe se não podia colocá-lo a salvo na outra margem. A rã olhou-o desconfiada:

"Achas-me assim tão estúpida, senhor Escorpião? Uma vez nas minhas costas, estou certa, espetas-me o ferrão, e matas-me."

O escorpião negou com veemência:

"Pensa melhor, amiga rã, eu, sim, seria muito estúpido se te matasse. Morreria contigo."

A rã, embora reticente, deixou que o escorpião subisse para as suas costas e começou a nadar. Ia a meio do rio quando sentiu a picada.

"Porque fizeste isso?", perguntou, "morreremos os dois."

O escorpião nem sequer procurou desculpar-se.

"Assim será", disse: "foi mais forte do que eu. É a minha natureza."

em "O ano em que Zumbi tomou o Rio" de José Eduardo Agualusa

quarta-feira, 25 de maio de 2011

22 de Maio de 2011

As Palavras - Eugénio de Andrade


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

quarta-feira, 18 de maio de 2011

16/5/11 - Leve leve, leve leve do Príncipe

Após uma semana no Príncipe, escrevo a contar as primeiras impressões.
Por cá tudo tem um ritmo diferente. Estamos a trabalhar e de repente vai-se a energia durante duas horas e meia. Custa a acostumar a tal acontecimento quando já estamos habituados a um certo ritmo de trabalho. Agora por favor imaginem-se a trabalhar, voltam do almoço, continuam o que estavam a fazer e de repente era uma vez a energia, o computador, a internet, o ar condicionado, a televisão… Claro que aqui alguns dos espaços de serviço ao público têm um gerador. Adiante.
Este fim-de-semana fui conhecer o sul da ilha. Estive numa localidade chamada Praia Abade onde as pessoas têm apenas 2 horas de energia por dia pois foi-lhes fornecido um gerador. Como é a comunidade que paga o gasóleo, apenas têm capital para essas 2 horas. Imaginemos então, estas pessoas não têm uma televisão, uma rádio, electrodomésticos, nenhuma das coisas que nós, ocidentais, consideramos básicas numa habitação. Apercebemo-nos também que algumas destas pessoas usam esteiras em vez de camas… Não obstante tais dificuldades e situação económica e social em que vivem estas pessoas, fomos recebidos com um grande sorriso por todos, crianças e adultos. É uma comunidade essencialmente piscatória e encontrámos um senhor a construir uma canoa para a pesca. Estava quase no fim, já estava a colocar os bancos. Era feita de madeira “que vem de fora”, como disse o homem. Ficámos a saber que era pau-rosa, que não existe no país e que é encontrado a boiar na costa ocidental. O senhor tinha demorado 10 dias a construí-la, tudo feito á mão…merecia um prémio pelas condições de trabalho. Andámos a solicitar artesãos por toda a ilha e os poucos (contam-se pelos dedos de uma mão) que encontrámos têm um certo talento mas todos se queixam do mesmo – falta de apoios – para continuar a produzir as suas obras.
A verdade é que esta ilha sofre de dupla insularidade. Vejamos bem quais as riquezas da ilha, a Natureza, a agricultura, um dia será também o turismo. Uma viagem pelo mercado local, uma conversa com algumas pessoas e percebe-se que mesmo a maior parte dos produtos alimentícios frescos vêm da ilha de São Tomé. Como isto é possível numa ilha que é maioritariamente verde logo com enorme potencial para a agricultura? Fomos prosseguindo pelas terras do sul onde as estradas não se comparam em qualidade com as do norte da ilha. Estas pelo menos não têm muitos buracos, enquanto as do norte são completos caminhos de cabras, lembram caminhos no meio do mato levemente trilhados pela passagem das pessoas. Aproveitámos a boleia do dono da Pensão Palhota na recolha de assinaturas para uma candidatura à Presidência da República. A adesão das pessoas foi total… parece que todos estão a precisar de alguém que realmente imponha algum respeito e autoridade… Foi bom para conhecer a ilha, fomos até ao Terreiro Velho, e passámos na entrada onde o sr. Corallo tem os terrenos com produção de café e cacau. Estivemos a conversar com as crianças e no caminho ainda parámos e vimos uma bela paisagem sobre o mar com o ilhéu boné de Joker a surgir majestosamente no oceano. Fomos também a Porto Real onde conversámos com um artesão que trabalha a madeira e depois ainda fomos a Pinquete, onde fomos premiados com uma bela vista sobre a cidade de Santo António e com um grupo de crianças sorridentes e simpáticas que ficaram maravilhadas com as fotografias. Este fim-de-semana ainda tive a oportunidade de conhecer a Praia Macaco, na costa ocidental a norte de Santo António que tem os piores acessos que já vi em toda a minha vida. Bem, a praia é maravilhosa, paradisíaca, perfeita. O mar estava um pouco agitado mas foi muito bom poder estar a desfrutar daquela maravilha da Natureza. Ainda bebemos umas dáuas bem frescas! Algo que é muito bonito aqui e diferencia-se em relação a São Tomé são as casas e os jardins fora da cidade. Há grandes sebes que delimitam os terrenos das casas e vão seguindo por quase todas as povoações da ilha. Os jardins estão arranjados com uma espécie de relva que deve ser típica de cá que fica mesmo bonita.
Já conheci duas portuguesas que cá estão a trabalhar na cidade, uma como professora outra é da área social. Também convivo diariamente na Palhota com dois militares de São Tomé que estão cá em missão de serviço. Em relação à minha bagagem que ficou em São Tomé, a minha salvação foi o Ia, filho do sr. Alex, que mandou mercadoria pelo barco que vem de São Tomé e deixou que a caixa com as minhas coisas viesse também!
De resto os dias da semana vão passando em trabalho e são muito idênticos. Começo a entrar numa rotina…

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Chegada à ilha do Príncipe

Mais uma partida e um aperto na garganta e coração. Desta vez uma viagem muito mais pequena e diferente ansiedade. O meu rumo era a ilha do Príncipe e o objectivo trabalhar para a HBD no escritório na cidade de Santo António.
Depois das despedidas na casa de Oque del Rei fui de boleia com o António do Bairro português para o aeroporto. Que sorte ele ter me ido levar pois a minha mala ultrapassava em muito os 15kgs permitidos em bagagem por pessoa, por causa da capacidade de carga e tamanho do avião. Bem tive de tirar uma carrada de coisas que depois ele tentará enviar por alguém que trabalha na Africa Conections. No avião para mim foi o terror mas para toda a gente parecia ser normal. Para mim na primeira vez num avião tão minúsculo onde apenas cabem umas 15 pessoas foi assustador. Primeiro tudo tremia e ouvia-se um barulhão incrível. Fui quase sempre de mãos nos ouvidos cheiinha de medo para não ouvir o motor. Via tudo no cockpit, o piloto, co-piloto, as maquinas todas, tudo! Não havia sequer 1 porta, nem é preciso dizer que tb não havia nenhum hospedeiro. Ainda por cima o avião de repente baixava um pouco e como é so mar à volta, eu pensava logo que íamos desta para melhor. Ao chegarmos havia tantas nuvens e começou a sair um vapor do chão.. fiquei logo em pânico e perguntei ao vizinho da frente se era normal ao que ele me disse que sim! Eu devia estar com uma cara tao assustada que ele me disse para não me preocupar que estávamos mesmo quase a aterrar. Logo a seguir comecei a ver os picos da ilha, tudo tao verde e bonito e depois íamos mesmo em cima do mato, depois em terra batida e logo um embate forte na pista e senti um enorme alívio no coração…
A Teresa foi-me buscar ao aeroporto com o sr. Fernando e o sr. Alex, o dono da pensão Palhota onde vou viver.
Todos foram impecáveis comigo mas como seria de esperar o 1º. Dia em qualquer sítio em que vamos ficar por algum tempo a viver é um pouco estranho. Apoderou-se de mim uma tristeza por me aperceber que ninguém conhecido me ia aparecer à frente em algum dia próximo. Estranhei muito o quarto..Tentei pôr na cabeça que são sentimentos normais para o 1º. Dia que certamente me adaptarei rapidamente…
Ao almoço como era bife e eu não como carne, tive direito a provar uns restos de molho no fogo (o prato típico daqui) que a dona Ester tinha feito. Gostei muito! Na parte da tarde fui conhecer a Roça Paciência. Pelo caminho fiquei extasiada, tudo é tão verde, tao virgem, tao inalterado e inexplorado. É tudo tão belo. Depois um pouco antes de chegar á Paciência a estrada está ladeada de sebes de arbustos muito bem podados que torna tudo muito bonito, dá um ar muito ancestral. A estrada está em tao mau estado que o ideal seria percorrer a ilha de cavalo.
Se há o leve leve em São Tomé, no Príncipe há um leve leve elevado a um expoente muito mais alto. Silêncio na rua a toda a hora, poucas pessoas passam, dá-se a volta à cidade num instante, toda a gente mas mesmo toda a gente se conhece. Há falta de muitas infra-estruturas, a energia pára das 15h as 17h30, da 0h às 8h vai outra vez, não há coisas que já são básicas em São Tomé como táxis, garrafões de 5litros e uma farmácia, apenas para dar alguns exemplos.
Terei de me adaptar levemente. E como o vocalista de uma banda que eu idolatrava dizia “o segundo dia é sempre melhor do que o primeiro.” 
Meus “últimos” dias em São Tomé

Depois de um fim-de-semana muito bem passado, no primeiro dia da semana invadiram-me sentimentos de muita saudade. Uma sensação de vazio apoderou-se de mim, assim que fiquei sozinha em casa. Estranhei a casa vazia… ver o quarto da Alex despido, não ouvir a voz dela nem das pessoas que um dia habitaram aquela casa comigo. A minha amiga, companheira, a quem chamo irmã, Gina, apareceu para me salvar da minha melancolia. Passámos bons momentos, revemos os velhos tempos no ilhéu e durante o meu estágio no Pestana. O Clemente, grande amigo, também me acompanhou nos meus passeios e desejos, como foi o caso do almoço na casa da D. Paula. Não podia passar pela cidade e não ir lá comer. A minha comadre, como ela me chama também, estava a assar o típico delicioso búzio do mar, vários chocos e lulas que comemos acompanhados por fruta-pão assada. Foi pena não ser dia da adorada banana pão pontada assada que delicia qualquer pessoa com o bom gosto apurado. Aproveitei para passar por Trás da Cadeia e visitar as minhas amigas Edna e Milita.
Como não poderia deixar de ser fui à praia assim que pude. Fiquei com pena de não ter conseguido ir a uma das minhas praias favoritas que é a praia Governador. Tive de recorrer a praias mais próximas como a praia Emília e a Micoló, o que já soube tão bem. Fui com o Clemente e a Gina para Micolo. Fomos para a praia, foi bem divertido. O mar estava com cores divinais, verde e azul, transparente. A temperatura boa. O sol estava quente e queimava a pele. A sensação é maravilhosa ao boiar naquelas águas salgadas com o sol a bater-me no corpo, olhar o ilhéu das Cabras ao longe e do outro lado o monte onde está a igreja de Micoló. São estas pequenas sensações que preenchem-me o coração e enchem-me o olhar. Fomos almoçar a um barzinho onde a senhora fez arroz com peixinho. Bem, fiquei toda contente por finalmente provar qualquer coisa nova da terra. Peixinho é bom, é o coitado que vem nas redes dos pescadores. O pobre do peixito bebe era quase só olhos. O sabor estava bom pois também o prato estava bem condimentado. Havia uma senhora a vender búzio do mar ainda na concha, antes de ser tratado e cozinhado, ainda estavam vivos. Bem andámos em direcção ao mercado e fomos parando em cada bar para comer qualquer coisa. Fomos beber uma Sagres bem fresca a outro bazrzinho, depois ainda comemos pipocas e maçaroca de milho. Fui visitar a minha amiga Nina lá a casa dela que ia sair para tomar banho ao mar. Depois fomos apanhar carro. Fomos a casa e dps seguimos para a Praia Melão ver Gerry, Minerva e Gersilão, o filhote de 4meses dos dois. Estávamos todos com saudades uns dos outros. A Minerva fez guisado de feijão que estava uma maravilha que até a Gina repetiu! O bebe está bem fofinho, senta-se direitinho, não chora mt…Tirámos umas fotos todos, eu estava cheia de sono quase dormi no sofá enquanto os 3 viam a novela, são uns viciados... Fomos embora de mota e ainda apanhámos um acidente no caminho. Com sorte não havia feridos porque achei os carros um pouco machucados de mais.
Também fiz exercício, fui correr com a Gina, às 6h da manha! Ela não está habituada a correr mas ainda fomos 20 minutos sem parar... Gosto de correr em São Tomé, tem de se sair bem cedo e o sol ainda está a nascer e depois vamos sempre dar um mergulho no mar, o que refresca imenso apesar de a temperatura da água ser amena.
Toda a gente me anda a falar da solidão do Príncipe e a assustar-me mas não há-de ser nada, hei-de me habituar! Tudo está igual pois apenas passou um mês mas sinto mt o calor e a humidade!
Matei as saudades todas (das pessoas que me são mais queridas, da paisagem exuberante, de alguns dos sítios que mais gosto, do calulu, do búzio, do concon, da fruta-pao e banana pao e jaca, de ouvir bulaué pastellin ou sangazuza logo de manhãzinha a acordar..) mas sei que em breve voltarão de novo… A vida é mesmo assim, uma caixinha de surpresas, quando menos esperamos acontece alguma coisa que tudo muda. Há-que saber adaptar às mudanças apesar de não ser nada fácil, não!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

30 de Abril – De volta a São Tomé, será a terceira de vez?
Pela primeira vez na minha curta vida esta viagem de avião iria ser feita sozinha, o que me deixou um pouco triste. A última semana foi preenchida com despedidas e preparações de última hora. Um misto de tristeza, ansiedade e um bocadinho de alegria a querer espelhar-se no rosto, o sorriso de São Tomé na cara a querer despontar. O dia da partida foi uma correria. Pela manhã, uma ida ao mercado e pesar as malas inúmeras vezes até chegar ao número aceitável. Ao almoço: comer os deliciosos pratos que a Joana e a minha mãe tinham preparado durante toda a manhã. Pastéis de massa folhada com bacalhau e pastelão com esparguete. Tarte de morangos. Morangos… No fim de almoço, a parte mais difícil. Foi tudo rápido e menos doloroso. Certamente o que me custa sempre mais é despedir, dar-lhes um abraço com um sorriso e dizer que volto daqui a nada, virar costas e olhar de relance mais uma vez. Depois pensar positivo e tentar controlar as emoções. Até chegar ao aeroporto viajei bastante em óptimas companhias! Obrigada minhas amigas Ana, Sofia, Rita e os meus tios de Lisboa, Berto e Zinha que têm muita paciência!
A viagem de avião foi estranha por ir sozinha mas já estou em São Tomé há mais de um ano e claro que conhecia algumas das pessoas que iam comigo no avião. Sou uma medrosa, sempre q há um bocadinho de turbulência penso logo q o avião vai cair! Ainda por cima ia sentada ao lado de uma senhora já de idade que só falava crioulo e me estava sempre a pedir informações… Até foi engraçado porque eu percebia e respondia em português mas ela ouvia mt mal, então eu tinha de lhe berrar…
Para agravar o meu medo no inicio o piloto disse que íamos acompanhados pela figura da Nossa Senhora de Fátima portanto que nada iria acontecer.. Eu fiquei logo a pensar que havia uma grande tempestade pelo caminho que seria complicado de ultrapassar. Enfim, ate sonhei q o mesmo avião andava a descer e subir, sempre quase a cair, sem equilíbrio...estava a ser tão real, mas depois acordei com o hospedeiro de bordo mais simpático que já conheci a querer servir-me o pequeno-almoço... Depois vi o nascer do sol e comecei a ver o mar e algumas baías da ilha…tive de novo muito medo ao aterrar pois mais uma vez a pista parecia inexistente…De repente ouve-se o estrondo do embate e umas lágrimas escorreram dos meus olhos ao sentir-me em terra (que alívio) e nesta terra… Quem veio no avião comigo foi o D. Duarte acompanhado por um ex-bispo de São Tomé e ainda a estátua da Santa.. Por isso o aeroporto estava tão cheio...com freiras e muita gente. Nem estava a perceber porquê tanta euforia! Depois à saída do aeroporto começam a aparecer caras conhecidas e lá estava a Gina e que grande abraço ...fui cumprimentar algumas pessoas q conhecia (Godi do Mama Africa, Walter e António do Omali) e depois chegaram os atrasados, o Humber com o Clemente! Fomos para casa e estivemos na conversa, foi tão bom estarmos juntos outra vez! Depois foi só matar saudades :) À hora de almoço fomos almoçar ao B24 no Parque Popular – peixe vermelho grelhado com banana frita, arroz e legumes salteados. No fim como era o aniversário da cidade de São Tomé havia actuações no Parque. Fomos ver um grupo de Danço Congo. Ri-me tanto, é um grande teatro com música ao vivo e dança com roupas esquisitas e máscaras. Falam em crioulo. O melhor, sem dúvida, era as batucadas! O Humber tinha de me traduzir o que diziam. Fartei-me de rir com o conteúdo da dança. Ainda vi uma subida a 1 coqueiro muito efusiva, com um louco a ir abanar a árvore para ver se o moço caía e este em resposta desce de cabeça para baixo, com muito aspecto de quem “tomou santo”. Ou talvez um pouco de aguardente a mais. A verdade é que estava com uns olhos de quem não estava ali não. Parece que a tradição e cultura local querem dar-me a volta à cabeça…Foi mt bom voltar a andar pela cidade, vazia por ser fim-de-semana. Entrar em Oque del Rei e ouvir as pessoas a chamar o meu nome e perguntar como foram as férias ou onde eu estive. Ver aqueles sorrisos bonitos e sinceros. É gratificante.