quarta-feira, 29 de junho de 2011

29 de Junho de 2011

De volta ao blog com minhas palavras. Como sabem escrever não é todos os dias, nem sempre há inspiração, nem sempre há vontade. Pegar na caneta e deixar a mão escorregar pelas folhas também pode ser perigoso. Nem sempre devemos deixar a mente fluir e ver as palavras surgirem para entender toda a sua conexão. Desta vez senti-me bem. Talvez alguma música que me arrepiou e que me acordou para a escrita. Às vezes penso, estando eu numa das ilhas mais lindas do mundo deveria estar na minha fase mais criativa. Escrever, desenhar, delinear projectos. A conclusão a que cheguei é que isolados não somos ninguém. Por alguma razão as histórias que conhecemos de pessoas que foram viver para a floresta não resultaram bem. Sempre houve a tendência para as comunidades. Sempre foi esse também o meu sonho. A partilha dos saberes. Por esta linda ilha vou estando, por vezes caindo numa monotonia a que me devia negar. Rotina que leva á preguiça de espírito e quebra a vontade de movimento do corpo. Uma ida à capital do país e conhecer uma grande mulher nos últimos dias fizeram renascer dentro de mim algumas coisas que estavam adormecidas. Cada momento e cada dia devem ser aproveitados ao máximo dentro das possibilidades. Em tudo há algo a aprender, não há locais propícios à estagnação mental mas sim há que haver dinamismo para combater certas carências que nos podem levar a ela. O lema é pensar positivo sempre.
Tenho pensado muito na vida, no destino. As conclusões a que cheguei são um pouco desconcertantes. Não podemos mesmo fazer muitos planos para o futuro. Tudo muda. Como diz o grande Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.” Claro que o que há de mais profundo em cada um de nós fica mas muita coisa se altera. Às vezes queria ser uma pessoa diferente, que não se liga às pessoas como eu me ligo. Habituo-me e depois sinto muito falta. Viver aqui não é fácil, muito menos sozinha sem alguém ao nosso lado pois não temos as distracções do mundo contemporâneo. Viver num hotel tem muito que se lhe diga, apesar das coisas boas tb. Todas as semanas conheço uma pessoa nova! Algumas ligações que sobrevivem ao espaço e tempo apesar de o encontro ter sido curto. Hj foi embora uma brasileira que ficou minha amiga. Obrigada por tudo Evelyn 
Nunca vi lugares tão lindos e virgens como os que vejo cá quando tenho a oportunidade de ir passear. Aqui há algumas comunidades com carências a vários níveis, falta de energia, higiene, saúde alimentar, saneamento, educação. Há duas semanas fui conhecer uma comunidade piscatória na costa oeste da ilha chamada Lapa. Primeiro fica completamente fora de estrada. Tivemos de deixar os transportes num ponto onde há um rio que converge com o mar e a ponte que existia está completamente destruída, tornando impossível a passagem. Tivemos de descer pela praia e andar pelo menos 1 km a pé até alcançarmos a aldeia. Um lindíssimo areal extenso, o mar de cortar a respiração e em cima as casas de madeira e as pessoas sentadas em frente às portas ou ao lado das canoas que descansavam das suas viagens. Fiquei pasmada (novamente) com a beleza nos olhares das crianças. Fui com um grupo da campanha presidencial. Enquanto eles ficaram em reuniões, fui para o mar com 3 miúdas pequenas muito queridas. Nadei com elas às costas, fui mergulhar dos rochedos, sentia-me dentro do filme “Lagoa Azul” pois estávamos numa espécie de piscina com apenas rochedos, mato e mar á nossa volta. Falcões a sobrevoarem a minha cabeça mesmo em cima de mim, o canto de pássaros coloridos muito pequenos, peixes nadando aos nossos pés, os sorrisos daquelas meninas! Boiando no azul esverdeado do mar paradisíaco espreitava as grandes cores da paisagem verdejante que me rodeava com os picos surgindo ao fundo, rasgando os céus. A felicidade é fugaz, assalta-nos em momentos que não contámos. Aquele dia foi tão bom, senti alegria no mais fundo de mim, a minha alma cantou… No final essas crianças queriam ir embora comigo, também eu não as queria deixar. Mas tive de o fazer com uma promessa que voltaria dentro de algumas semanas. A alegria é assim, fugaz e transitória e a vida, uma caixinha de surpresas!
Passô *

segunda-feira, 27 de junho de 2011

27 de Junho 2011

Ilha do Príncipe - Ruy Cinatti

Penedos como torres, cataclismos.
Paranóia esdrúxula de verdura.
Haustos descendo que a terra inspira
E exala subindo a grande altura.
Nuvens, níveas núvens que ainda fulgem
E rolam peregrinas pelo vale
Aberto entre píncaros e morros.
Uma cadência arbórea detida
Nas praias circulares, mas que circunda
Os bruscos perfis dos promontórios.

Como não exclamar: Ilha do Príncipe,
Raiz do mar, promessa, angústia,
Um horizonte?! ...

Vista de Belomonte é um assombro.
Do Terreiro Velho, nem se exclama.
De Santo António, da baía extensa,
Vilória ao fundo, ater-me-ei
quando suar
Suor fecundo.

in "Lembranças para São Tomé e Príncipe" de Ruy Cinatti (1972) - Centro Cultural do Príncipe

quarta-feira, 15 de junho de 2011

15 de Junho 2011


Bom dia,

Deixo aqui algumas informações sobre as tartarugas da ilha do Príncipe. Algumas estão em vias de extinção, existindo quase exclusivamente aqui nesta ilha paradisíaca. Em parceria com algumas instituições desenvolve-se o programa SADA, com o objectivo de proteger uma das espécies que está em mais perigo.


"A fauna marítima é riquíssima em variadíssimas espécies, desde as mais conhecidas, como o atum, o salmonete, o cherne, o carapau, até ao tubarão, ao peixe-voador e à tartaruga, muito utilizados pelos naturais da ilha para a sua alimentação."


TARTARUGAS

Chelonia mydas (nome local: mão branca)



A ilha do Príncipe deverá ter uma população de cerca de 200 a 250 fêmeas adultas reprodutoras que de 3 em 3 anos têm uma época de posturas. São, assim, 80 a 100 fêmeas reprodutoras por ano, e cada uma pode fazer 3 ou 4 posturas durante a época. Em cada postura podem depositar cerca de 110 ovos, que ficam enterrados cerca de dois meses na areia, a incubar. A Praia Grande, a norte da Cidade de Santo António, é uma das preferidas pela mão branca e, por isso, um excelente local para turtle watching. As posturas têm início no mês de Setembro e prolongam-se até ao final de Fevereiro, mas os principais meses são Dezembro e Janeiro.

Simultaneamente, há também uma população numerosa de juvenis neríticos e de sub-adultos. Infelizmente, a incidência de GTFP (green-turtle fibropapillomatosis) começa a ser elevada e atinge exemplares em todos as fases da vida, embora seja particularmente acentuada nas fases juvenil e sub-adulta.

Eretmochelys imbricata (nome local: sada ou tartaruga-de-caco)

A ilha do Príncipe deverá ter, apenas, uma população de cerca de 50 a 60 fêmeas reprodutoras. Consequentemente, não serão mais de 25 a 30 por ano! Cada uma pode fazer 2 ou 3 posturas durante a época, depositando cerca de 130 ovos por postura.

Segundo o SWOT Report III, na época de posturas de 2005-06, foram registadas 36 posturas de E. imbricata, principalmente localizadas nas Praias Margarida, Sundi, Mocotó, Ribeira Izé, Bom-Bom, Stª Rita e Seabra. A época de posturas estende-se de Novembro a Março, sendo Dezembro e Janeiro os dois meses principais.

Para além desta sub-população de fêmeas adultas, que deverá estar nas águas e praias do Príncipe apenas nos meses de acasalamento (Setembro e Outubro) e posturas (Novembro a Fevereiro), existe uma sub-população de machos adultos, que poderá ser residente, e uma outra sub-população mais numerosa, de juvenis neríticos, também residente. Destes últimos podem ser observados, muito próximo à linha de costa e em águas muito pouco profundas, exemplares cujo comprimento da carapaça (CCLmin) pode ser tão pequeno quanto 25.0 cm.

Dermochelys coriacea (nome local: ambulância)

A população reprodutora que usa as praias da ilha do Príncipe é muito diminuta e inconstante. Esta espécie de tartarugas marinhas é pouco “fiel” às suas praias de origem (pouco filopátrica) e as fêmeas reprodutoras que esporadicamente ocorrem devem, de facto, pertencer às grandes rookeries do Gabão e da ilha de Bioko.

Nas águas costeiras, em particular a sul da ilha, encontram-se juvenis desta espécie. É uma situação de excepção, até agora considerada absolutamente única no Mundo, já que o comportamento característico e conhecido pauta-se pela utilização, em exclusivo, de águas oceânicas abertas.


O Programa SADA :


CONSERVAÇÃO SUSTENTÁVEL DA TARTARUGA-DE-PENTE (Eretmochelys imbricata) NA ILHA DO PRÍNCIPE

O Programa SADA é um programa de gestão sustentável de recursos naturais, com características participativas garantidas através do envolvimento de diversos actores sociais.

O recurso natural alvo é a tartaruga-de-pente, localmente chamada de SADA ou tartaruga-de-caco, espécie “Criticamente Ameaçada de Extinção” a nível mundial (IUCN Red List of Threatened Species 2009), e cuja população reprodutora na Ilha do Príncipe é uma das últimas de toda a costa ocidental de África.

As principais populações reprodutoras estão concentradas na América Central (onde a espécie está já a recuperar, depois da adopção de bem sucedidas medidas de protecção). Na costa ocidental de África, as ilhas do Golfo da Guiné (Bioko ou Fernando Pó, Príncipe, São Tomé e Annobón) são o único local conhecido de nidificação, sendo particularmente relevantes o Príncipe e o sul de São Tomé. O cariz de excepção faz com que esta população, geneticamente distinta de todas as outras, seja um património reconhecidamente interessante para a Biodiversidade do Planeta. Segundo o SWOT Report III, na Ilha de Bioko, na época de posturas de 2005-06, foram registadas apenas duas posturas. No Príncipe foram 36 e em São Tomé 38. A época de posturas estende-se de Outubro a Abril, sendo Dezembro e Janeiro os meses principais.

Na Ilha do Príncipe poderá ainda existir uma outra sub-população de E. imbricata, constituída pelos juvenis neríticos que podem ser observados nas águas costeiras, e que provavelmente não têm qualquer associação genética com a sub-população adulta reprodutora acima referida.

Os principais actores sociais envolvidos são as autoridades regionais, os mergulhadores e pescadores, a população escolar (professores e alunos) e os promotores e agentes turísticos.

O Programa SADA é um programa pluri-anual que teve início em Janeiro de 2009. Leva a cabo, em simultâneo, actividades em quatro linhas estratégicas:
o formação técnica
o protecção directa
o conhecimento aprofundado
o divulgação alargada

O Programa SADA é coordenado pelo CBioP – Centro para a Conservação da Biodiversidade da Ilha do Príncipe, um centro internacional de investigação da responsabilidade da Universidade do Algarve, do CCMar – Centro de Ciências do Mar do Algarve e do Governo Regional do Príncipe. O Oceanário de Lisboa, a Universidade do Algarve, o Praia Boi Nature Resort e alguns beneméritos privados contribuem de forma decisiva para o sucesso da iniciativa.


1. FORMAÇÃO TÉCNICA

A linha estratégica de formação técnica tem em vista habilitar pessoas, preferencialmente naturais e/ou residentes na Ilha do Príncipe, com capacidades adequadas para o desempenho de funções nas actividades do próprio Programa SADA ou em actividades complementares.

Exemplos de capacidades técnicas são as da realização de censos de tartarugas marinhas, nas praias ou no mar, da instalação e manutenção de centros de incubação controlada de ovos, do acompanhamento de visitantes em actividades de “turtle watching” e da prestação de serviços a equipas internacionais de investigadores. Estas actividades deverão possibilitar, à população local, a obtenção de receitas económicas; deverão, simultaneamente, criar postos de trabalho, reduzindo progressivamente as necessidades e motivações para a captura, morte e comercialização de tartarugas marinhas.


2. PROTECÇÃO DIRECTA

A linha estratégica de protecção directa tem em vista impedir que continuem a ocorrer mortes desnecessárias de tartaruga-de-pente (bem como tartaruga-verde e -de-couro), em qualquer das suas fases de vida (neonatos, juvenis neríticos, sub-adultos e adultos). Essas mortes são a principal causa do actual estatuto de espécie em risco crítico de extinção, na Ilha do Príncipe (e também em São Tomé).

Exemplos de causas de morte são as capturas voluntárias de exemplares nas águas costeiras, por mergulhadores e pescadores, as capturas de fêmeas reprodutoras nas praias de postura, as pilhagens de ninhos para recolha de ovos, e as capturas involuntárias de exemplares, em diversas artes de pesca. A aprovação de legislação regional e nacional de protecção de tartarugas marinhas, bem como a fiscalização do efectivo cumprimento dessa legislação, é objectivo fundamental da linha estratégica de protecção directa.


3. CONHECIMENTO APROFUNDADO

A linha estratégica de conhecimento aprofundado tem em vista a caracterização e descrição aprofundada da espécie, da sua ecologia, biologia e etologia, da dinâmica demográfica da população, e das particularidades da interacção entre homens e tartarugas marinhas.

Exemplos desta linha estratégica são a execução de projectos específicos de investigação científica e a participação em redes internacionais de intercâmbio de informação, entre especialistas. A avaliação do número actual de fêmeas reprodutoras de SADA que utilizam as praias do Príncipe para fazer posturas, a caracterização genética da linhagem matriarcal, da dinâmica reprodutiva, das rotas migratórias seguidas por fêmeas reprodutoras de SADA e, eventualmente, por machos e imaturos da mesma espécie, são alguns dos temas prioritários de investigação. Outro tema é, necessariamente, o “GTFP – green-turtle fibropapilloma”, em virtude da severidade da doença que se constata na região.


4. DIVULGAÇÃO ALARGADA

A linha estratégica de divulgação alargada tem em vista informar, a níveis local, nacional e internacional, da existência e relevância deste património natural, do seu actual risco crítico de extirpação, da necessidade imperiosa da sua gestão sustentável e das oportunidades que se poderão abrir para a Ilha do Príncipe, e para os seus diversos actores sociais, com a adopção de princípios e práticas de conservação sustentável da SADA.

Exemplos de acções locais são as acções de sensibilização e informação junto da população escolar, dos mergulhadores e pescadores, das forças da autoridade e dos agentes da justiça; exemplos de acções nacionais são a divulgação do Programa SADA na Ilha de São Tomé, tendo em vista a futura expansão. Exemplos de acções internacionais são a criação e manutenção dum “site” próprio, a presença em “webportals” e “sites” temáticos internacionais como o www.seaturtle.org, a participação em reuniões internacionais de especialistas e a promoção internacional da Ilha do Príncipe como destino turístico para “turtle watching”.


ATLAS DE TARTARUGAS MARINHAS NA ILHA DO PRÍNCIPE

A realização do Atlas informativo e detalhado sobre Tartarugas Marinhas na Ilha do Príncipe é um objectivo a prazo. Sintetizará o conhecimento aprofundado que for sendo acumulado, envolverá pessoas tecnicamente formadas pelo Programa SADA, motivará a protecção directa e a valorização do património natural e paisagístico da Ilha e será um suporte-chave para as acções de divulgação alargada.



O Programa SADA é necessário e urgente. Justifica-se a necessidade porque sem o seu lançamento será quase impossível assegurar o futuro da espécie na região. A urgência encontra fundamento na dimensão actual da população nidificante, nas praias do Príncipe, já muito depauperada, com indícios de se aproximar do limite de viabilidade demográfica e ecológica.


in http://tartarugasstomeprincipe.wordpress.com/programa-sada/

segunda-feira, 6 de junho de 2011


A brainstorming week
Escrevo um pouco enquanto me sento à varanda da Palhota numa cadeira de bambu e observo o Pico Papagaio e toda a paisagem verdejante que me envolve.
Os dias acalmaram agora, após uma semana muito ocupada com muito trabalho. Soube muito bem manter a cabeça ocupada e não ter tempo para outros pensamentos! Recebemos a visita do patrão e de mais 13 pessoas. A equipa de trabalho era muito heterogénea, constituída por pessoas interessantes e cultas vindas de alguns cantos do mundo, como África do Sul, Quénia, Inglaterra, França e Portugal. Foi um pouco como se tivesse passado a semana a viajar! Ao mesmo tempo fui conhecendo vários pontos lindíssimos desta ilha divinal que me puseram boquiaberta tal a sua beleza, tais como a Praia Boi, Belomonte e o Miradouro, Praia Banana, Porto Real e Ponta Mina. Ainda tive a oportunidade de conhecer o Ilhéu Bombom e fiquei maravilhada com a beleza natural e o encanto próprio do local.
Também ouvi falar de vários cantos onde tenho de ir para explorar as praias desertas, as florestas densas, as roças encantadas e o património de valor histórico vislumbrado através de antigas ruínas.
Na hora da partida deles, assaltou-me um pouco de tristeza e sensação de melancolia ao ver o avião partir. Agora voltámos ao ritmo normal. Uma coisa boa é que a partir de agora começarão a vir várias equipas de trabalho, por isso não faltará companhia, mais trabalho e animação!
Ontem um santomense que está cá em missão de trabalho dizia:” Se em São Tomé é leve-leve, aqui é parado-parado…”

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Uma estória tradicional africana

Era uma vez um escorpião que queria atravessar um rio. A corrente, porém, parecia-lhe muito forte, as águas demasiado profundas e ele, desgraçadamente, não sabia nadar. Então, quando já desesperava, viu uma rã a tomar sol e perguntou-lhe se não podia colocá-lo a salvo na outra margem. A rã olhou-o desconfiada:

"Achas-me assim tão estúpida, senhor Escorpião? Uma vez nas minhas costas, estou certa, espetas-me o ferrão, e matas-me."

O escorpião negou com veemência:

"Pensa melhor, amiga rã, eu, sim, seria muito estúpido se te matasse. Morreria contigo."

A rã, embora reticente, deixou que o escorpião subisse para as suas costas e começou a nadar. Ia a meio do rio quando sentiu a picada.

"Porque fizeste isso?", perguntou, "morreremos os dois."

O escorpião nem sequer procurou desculpar-se.

"Assim será", disse: "foi mais forte do que eu. É a minha natureza."

em "O ano em que Zumbi tomou o Rio" de José Eduardo Agualusa

quarta-feira, 25 de maio de 2011

22 de Maio de 2011

As Palavras - Eugénio de Andrade


São como um cristal,
as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?