terça-feira, 15 de março de 2011

14/3/11 A volta ao ilhéu cerebral de uma portuguesa inconsciente

Sabem quando estão a viajar no estrangeiro e de repente ouvem alguém falar português, olham à volta admirados à procura e depois percebem que é mesmo alguém do nosso país? Uma conversa aqui, outra conversa ali e depois da euforia inicial de encontrarmos outro tuga fora do contexto natural, ficamos a pensar “só podia ser português” e retirámo-nos um pouco embaraçados.
Pois bem, em São Tomé é a mesma coisa. Excepções à parte, as frases indelicadas; as situações embaraçosas que tive de resolver em contexto de trabalho; os criadores de fofoca e intrigas; os exploradores pois admitamos ou não, existe exploração do homem pelo homem bem perto de nós; aqueles que a todo o momento dizem que querem ir embora mas continuam cá a sugar o cacau da terra, são portugueses. Não entendo porquê que estas pessoas que não gostam do país onde vieram parar, como exilados quem sabe, fechados em ambientes próprios por livre vontade ou vontade de outrem, continuam a fazer num país que menosprezam!
Eu sou portuguesa e tenho muito orgulho na minha Pátria mas fico com vergonha de partilhar com essas pessoas a nacionalidade. Para essas determinadas pessoas que friso, DEVIAM TER VERGONHA DOS BICHOS QUE SÃO, todo o cuidado é pouco. Apenas vos deixo alguns exemplos das dezenas que podia referir. Já ouvi falar que para comer só em dois cafés/restaurantes supostamente bem “reputados” pois os bares (aqui não tem o sentido do nosso bar, é o espaço onde se pode beber1 copo mas onde também servem refeições quentes) são mal frequentados e não têm higiene nenhuma, quando na verdade come-se o mesmo da mesma maneira, às vezes mais saboroso, feito pelos mesmos e a um preço mais acessível. Ouvi dizer que para a visita a certos ilhéus devemos levar o cadeado na cueca. Também me chegou aos ouvidos que contacto com a população local só em contexto de trabalho e calma aí, cuidado com as confianças, porque nós portugueses sejam quais forem as hierarquias somos sempre superiores…
Ironias à parte, já ouvi dizer coisas tão insultuosas e disparatadas sobre a negritude que a minha vontade foi fugir, atirar-me para baixo da mesa e até desaparecer com tanta vergonha desses meus compatriotas. Não vou reproduzir pois mentiras e estupidezes de nada servem serem reproduzidas e estaria a insultar, mais uma vez, a população humilde que me recebeu de braços abertos, os desconhecidos que me cumprimentam na rua sem pedirem nada em troca para além de uma palavrinha e sorriso, as pessoas que sorriem com o olhar e que às vezes é o que dá força e alegria para encarar a noite, vizinhos que ajudam à primeira dificuldade apesar de pouco terem; amigos e amigas, boas pessoas, com princípios e valores, pessoas inteligentes e corajosas muito estimadas por mim e por muitos. Não entendo como alguém pode ter tanto ódio, querer tão mal aos outros, ser assim racista e preconceituoso até ao tutano. Será que há cura para toda essa encenação em que vivem?? A denúncia da exploração do homem negro pelo homem branco devia ser bem estruturada e argumentada.
É muito triste que no século XXI ainda existam discrepâncias tão grandes a nível de salários só porque se é de outra cor, de outro país. Como é possível que numa empresa haja uma maioria de chefes de departamento caucasianos a ganhar em média mais de 1200 euros por mês e por outro lado os locais a ganharem uma média de 40€? Não entendo quem consegue viver com isso na consciência e nada faz. Para mim é ultrajante. Revolta-me. Era necessário que os locais dissessem que BASTA, unirem-se para uma greve, exigirem melhores condições de trabalho e humanas. O problema é que por questões históricas, associadas à gestão portuguesa das roças aquando do período colonial, estas pessoas têm medo, muito medo…hoje em dia já não é de serem chicoteadas e espancadas até à morte, mas sim de perderem o seu mísero salário e não poderem com o pouco que ganham ter pelo menos dinheiro para alimentar as suas famílias e ter alguns confortos. Falta mudança de mentalidade colectiva.
Estas pessoas, estes portugueses de boca suja não deviam estar aqui rodeados por esta beleza natural fantástica, estas maravilhosas praias e ilhéus mágicos, pois ao mesmo tempo que usufruem e bem, muitas vezes às escondidas fugindo para os recantos mais puros e intocáveis, as suas bocas estão a sujar e a maldizer as ilhas, o seu mítico leve leve e os locais.
Eu sou portuguesa mas sou também cidadã do mundo. Adapto-me bem à diferença e à mudança. Tenho gosto em conhecer tudo, sou curiosa, gosto de aprender. Sou amante da cultura, nesse campo tudo me fascina. Nada há mais natural que o contacto com os locais num país desconhecido. Viver é isso mesmo; sentir, falar, trocar experiências e saberes, fazer amizades, amar, rir e sorrir para quem quisermos. Tenho pena de quem vive dentro da peça de teatro que encenou e criou, sonhando com a pátria longínqua. Seus miseráveis, acordem… todos somos do mundo!

2 comentários:

  1. Estou contigo Margarida, excelente texto! Parabéns. Devias publicá-lo no jornal daí para tentar chegar aqueles que andam dormir.É vergonhoso realmente os que aí andam a explorar o povo e o país. E triste a resignação e inacção das pessoas. Há que começar a agir e incutir alguma acção. Força! Rita

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  2. Concordo.
    Gostei muito de ler este post.

    Cumprimentos,
    João Vaz

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